Vamos falar de um jogador que ao primeiro toque e ação com a bola, faz com que o espectador chegue mais perto do ecrã para que possa ver o seu número da camisola e assim captar o seu nome. Foi uma das figuras de destaque da seleção sub-17 que realizou campanhas históricas no Campeonato Africano das Nações e Mundial da categoria, até certo ponto, à sombra do hype à volta de Zito Luvumbo e Osvaldo Capemba.
Falamos de Domingos Paulo Andrade “Chicha“, de 17 anos, natural do Bairro Golf nos arredores de Luanda, capital de Angola. O prodígio do Interclube de Angola começou a sua carreira nos iniciados do Petro do Golf, seguindo depois para o clube que hoje representa.
É pouco surpreendente saber que tem como inspiração Toni Kroos e Sergi Busquets, pois Domingos é um jogador de perfil inteligente, dinâmico e associativo que transmite em sua aura um sentimento de confiança e controle das diferentes situações de jogo, muito graças às suas qualidades que são de escassa existência no cenário futebolístico angolano.
Estilo de jogo e ascensão
Éum médio que procura estar sempre no centro da circulação de bola da equipa desde a primeira fase de construção, assumindo a posição entre os centrais quando a sua equipa joga de forma mais paciente com passes curtos, ou nos espaços laterais entre a zona extrema lateral e o centro do terreno (half-spaces), quando a sua equipa procura jogar de forma mais direta, podendo conduzir em drible para zonas mais adiantadas do terreno e assim associar o jogo aos seus colegas no último terço ou fazer passes diagonais longos para a grande área adversaria. Observamos no gráfico abaixo, Chicha destacado como a figura mais fixa ao centro do terreno e o foco da distribuição da posse de bola da equipa, sendo esta efetuada com mais frequência para as alas (a zona de maior criação de oportunidades neste contexto).
Mapa de passes da seleção angolana de Sub-17 na vitória contra a Nova Zelândia. [@11tegen11 no twitter] (ver Andrade em: most passes, most centrality)
Na sua temporada de estreia como sénior (2019/20), o seu QI futebolístico superlativo o tornou rapidamente no coração do Interclube de Ivo Campos e os 963 minutos jogados, divididos em 12 jogos, foram suficientes para garantir muitos elogios e para ser considerado um dos melhores médios do Girabola, tendo já colecionado performances impressionantes contra Primeiro de Agosto e Petro de Luanda, as duas melhores equipas da competição. Isto pois assume, com muita maturidade a tarefa de gerir o ritmo de jogo da equipa, oferecendo linhas de passe em diferentes zonas do campo graças ao seu entendimento e interpretação dos espaços que também o possibilita orquestrar jogadas futuras quer executadas por si, exibindo a sua qualidade no passe curto, médio ou longo, ou pelos seus colegas de equipa, incentivando a circulação da bola com mais fluidez até as zonas mais adiantadas do terreno.
Com 1,78m de altura, Domingos apresenta um catálogo de qualidades vasto para a sua posição com atributos tecnicos e físicos que merecem muita atenção: boa capacidade de aceleração em distâncias curtas, um bom controle de bola e drible, tornando-o num jogador bastante resistente à pressão adversária, capaz de (também, para além do passe) quebrar linhas e oferecer progressão da bola através do drible. Apesar dos estigmas que surgem à volta de jogadores jovens e da sua posição, é um jogador dificil de intimidar fisicamente, qualidade que foi chave na sua adaptação rápida ao futebol sénior e que o pode tornar numa figura bastante completa no meio campo caso seja desenvolvida.
Como boa parte dos médios com o seu estilo de jogo, o seu trabalho defensivo é mais baseado na leitura de jogo e posicionamento, mas o seu dinamismo e nível de trabalho em campo formam nele um perfil mais combativo neste aspecto do jogo. A previamente mencionada aceleração conjuga o seu excelente senso posicional e leitura de jogo (muitas vezes é dos poucos jogadores a manter a compacidade exigida na sua zona do terreno) para interceptar jogadas adversárias e recuperar a posse de bola em transições defensivas, e assim sendo, é uma referência na equipa nos momentos em que a equipa procura recuperar a bola com rapidez ou em cobertura defensiva para situações de contra-ataque.
Lufada de ar fresco
Domingos Andrade é jogador de um perfil e qualidade de extrema raridade e potencialmente geracionais, dada a pouca frequência com que aparecem no futebol angolano. O facto de se ter afirmado no futebol sénior com apenas 16 anos de idade representa não só uma mudança positiva na aposta do talento jovem local e na sua formação mas também deixa uma mensagem clara sobre a sua qualidade dentro das quatro linhas. Num contexto onde o centro do terreno é abordado como um campo de batalha e o foco da criação de oportunidades são as alas, a forma paciente e culta como aborda a posse de bola e a sua maturidade tática divergem muito do habitual nesta realidade.
Sente-se que, após anos observando médios de construção como William de Carvalho e Florentino Luís representando a seleção portuguesa e Eduardo Camavinga (jogador mais aproximado ao seu perfil) a seleção francesa, o futebol angolano finalmente ganha um talento com potencial para tornar-se numa referência nesta posição num futuro a médio-longo prazo e um possível poster boy para playmakers e inteligência no centro do terreno.
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